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sábado, 3 de dezembro de 2011

Aquaman #3



Aquaman #3

Escrito por Gabriel Guimarães
  

          Aquele lugar não lhe era estranho. A cor dos corais sob seus pés, o calor particular da água, os cardumes de peixes jamais imaginados pelos seres da superfície que passavam por cima daquele solo, tudo ali lhe dava a impressão de familiaridade, entretanto, Arthur tanto não conseguia lembrar como reconhecia aquele ponto no oceano, como sequer fazia ideia de como tinha ido parar lá. Sua última memória anterior àquele instante era a de que a nação atlante, inundada por ira ao saber que a coroa do Império agora pertencia a ele, estava quase colapsando sobre si mesma. Arthur não sabia o que poderia fazer para apartar tamanha insatisfação causada simplesmente por ele ser quem ele era, então, se perguntou o que sua mãe, Atlanna, faria.
         Quase que em resposta automática ao clamor de seu filho, Arthur ouviu a melodia que sua mãe cantava para ele todas as noites quando era criança.
         - Mãe?! Mãe, tu estás aí?
         - Sim, querido.
         Por um instante, Arthur não soube o que dizer. Sabia que sua mãe havia falecido, ainda assim, conseguia ouvi-la claramente, apesar não vê-la. Após alguns segundos, Atlanna continuou:
         - Arthur, este é um momento muito importante. Para a Atlântida. – pausou brevemente – E para você.
         - Como assim, mãe? Os atlantes me odeiam! Estão prestes a sucumbir por puro ódio que sentem do sangue que corre em minhas veias!
         - Querido, lembra-se da lenda que lhe contava todos os anos em seu aniversário?
         - Claro, mãe.
         - Então, Arthur, o que diz a lenda?
- A lenda conta que quando os mares estiverem tingidos de rubro e o Império Atlante prestes a ruir, um herói, ostentando o elmo de Poseidon, será erguido pelas forças do próprio oceano para trazer paz em meio à guerra, e respeito e dignidade à história da nação atlante.
- Não se aflija mais, Arthur. Este momento chegou.
- Como assim mãe? Não entendo...

***

         - Orin, você precisa acordar!
         De súbito, o agora rei do Império Atlante recobra a consciência, e percebe que adormecera enquanto observava os prédios da cúpula da Sala de Estudos da Realeza, com um livro aberto em suas mãos. Ao ler o título “Republika”, um leve comichão passa pelo corpo de Arthur, sem que ele possa compreender o por quê.
         - Majestade, uma grande ameaça paira sobre sua nação.
         - Bom dia, conselheiro Wexel. – Arthur fala, em um tom ríspido e um tanto impaciente, enquanto tenta assumir a postura que todos exigem dele – A esfera militar não está conseguindo conter os rebeldes sem usar de força bruta?
         - Não é isso, majestade! É algo muito pior! O senhor deve ser levado com urgência para o posto médico do Palácio Real! Há alguém lá que requer sua atenção de forma emergencial!
         - Pois então, vamos.     

***

         Nos hospitais do Império, localizados nas áreas de maior densidade populacional, era bastante incomum haver muitos pacientes. A combinação química feita por Poseidon desde os primórdios da nação submarina, que era lançada no topo da cúpula para alcançar todo o reino, garantia aos atlantes uma segurança extra a qualquer infecção ou ferimento. Composta por substâncias que fortaleciam a resistência imunológica da fisionomia humana e atlante, além de retardar o metabolismo celular geral dos habitantes da cidade, ela sempre foi vista como uma dádiva para o povo, apesar dos infortúnios da vida nas profundezas do mar. Com os confrontos entre a esfera militar e os revoltados com a chegada ao trono de Arthur, porém, todos os leitos disponíveis estavam ocupados. Curiosamente, o único leito que fora usado apenas duas ou três vezes no máximo em toda a história do Império, aquele localizado no posto médico do Palácio Real, agora se tornava o centro das atenções dos conselheiros da realeza.
         - Qual a emergência que carece tanto de minha atenção? – pergunta Arthur, ao passar pelos portões esterilizados que antecediam os dois leitos disponíveis, que, supostamente, seriam apenas para a família real.
         - Majestade, aquele rapaz dentro do leito 1 alega ter sido atacado por uma criatura vinda do interior das ruínas. Seus ferimentos são profundos, e por pouco, ele não teria conseguido chegar até aqui com vida.
         - Mas, para ter sido atacado por um ser das ruínas, ele teria que ter ido até o campo das arraias negras.
         - Sim.
         - Quero falar pessoalmente com esse garoto. Como estão os sinais vitais dele?
         - Ele agora está estável, majestade. Porém...
         Antes mesmo que Wexel terminasse sua frase, Arthur já havia atravessado a porta de entrada no leito 1, e observava o corpo do garoto. A perna direita do rapaz precisou ser quase totalmente substituída por material sintético, do joelho para baixo. A respiração dele estava lenta, para repor as energias perdida em sua aventura, e por todo seu peito se viam leves arranhões, provocados por ter sido arrastado pela areia até dentro da cúpula.
         E é nesse instante que os olhos do rapaz começam a se abrir muito lentamente, como alguém que acabara de acordar de um péssimo pesadelo. As formas ainda não lhe estão muito claras, e tudo que consegue de fato ver é uma sombra em meio a um ambiente extremamente claro.
         - Como te chamas?
         O rapaz, ainda confuso pelo contraste da luz, não responde, enquanto começa a se mexer na cama. Ele cerra seus punhos e os abre novamente, tentando compreender onde está e o que está acontecendo. Ao sentir puxar os músculos da cintura para baixo, porém, sua respiração começa a acelerar. Em movimentos ofegantes, o jovem começa a demonstrar pânico por não sentir sua canela e pé direitos.
         - Fique calmo, rapaz. Tu foste seriamente ferido, e estás no leito médico do Palácio Real.
         - P-Palácio Re-Real?
         - Sim.
         - E-então – o rapaz esfrega os olhos, tentando forçar sua visão a ficar mais nítida –, v-você é o-o Aquaman!
         - Meu nome é Orin, rei do Império Atlante. E tu, quem és?
         - M-me-meu nome é Me’niz. Olha, desculpe pela depredação das ruínas. Não foi ideia minha. O Chubb me obrigou a ir lá! Na verdade, não me obrigou, de fato, mas me convenceu a ir... Eu não sou um covarde. Sei que não sou. Mas precisava provar que podia fazer o que eu bem entendesse, que não precisava ficar obedecendo regras estúpidas de ficar dentro da cúpula. N-não que eu as ache estúpidas... Sei que elas existem por uma razão, certo? Mas é claro que sim... É que...
         - Calma. Tu passaste por um trauma físico muito grave. Diga calmamente o que te aconteceu.
          - Ontem, meu amigo Chubb e eu fomos até as ruínas do lado de fora da cúpula para que pudéssemos expor o quanto todos estavam irritados com a morte da rainha. Nós aproveitamos um momento que os guardas não estavam prestando atenção, e saímos, carregando um dispositivo com tinta para marcar as pilastras da entrada das ruínas.
         - Estou entendendo. Me’niz, você diz que havia um outro rapaz com você. Onde ele está agora?
         - É! O Chubb! E-ele..
         - Onde está esse Chubb?
         - Ele foi pego pela criatura.
         - Criatura?
         - É, enquanto estávamos lá, eu vi algo de relance, e, em seguida, Chubb sumiu. Senti algo se deslocando rápido na água vindo em minha direção, então, nadei o mais rápido que pude na direção da cúpula. Achei que fosse morrer, quando senti uma forte dor na minha perna direita. Mas, de repente, vi o quanto estava perto de casa, e o que quer que estivesse me perseguindo desapareceu.
         - Muito bem. Agradeço por tua colaboração e garantir-te-ei que farei tudo ao meu alcance para trazer teu amigo de volta. Podes descansar o tempo que precisardes aqui. Qualquer coisa que acaso necessitar, basta pedir.
         - O-obrigado, m-mas por que está fazendo tudo isso por mim? A razão de eu ter me ferido dessa forma foi justamente para criticar sua chegada ao trono. Então, por quê...?
         - Porque eu sei que o que quer tu fizeste, o fez por medo. Não precisas temer. Eu sou o rei agora, e como rei, tudo que desejo é a segurança de meu povo.
         - Mas eles não te consideram parte do povo deles.
         - Por enquanto. Como as águas do oceano, as opiniões mudam e seguem seu verdadeiro fluxo. A verdade falará mais alto. Agora, repouses. Precisas de energia e fôlego, depois de tua empreitada noite passada.

***

         Arthur sabe o que precisa fazer. Rei nenhum pode ficar imóvel frente a uma ameaça que surge à segurança de seu reino. Entrando no salão de guerra do Palácio, cômodo que se assemelhava à estrutura arquitetônica dos museus da superfície, com as ferramentas mais rudimentares usadas para a construção da cúpula, armaduras de guerra clássicas utilizadas na consolidação do reino submarino, dentre diversos outros objetos com significados marcantes para aquela nação, Arthur observa a história de seu povo diante de seus olhos.
         - Majestade, o que vai fazer?
         - Lorde Wexel, nunca na história atlante, um rei permaneceu imóvel enquanto seu reinado ruía. Por mais que os confrontos entre os generais e a nação possam estar causando transtornos dentro do Império, uma ameaça externa não apenas ameaça a vida de cada atlante como também a existência da cultura atlante em si. Não posso deixar que isso aconteça. Esse é o meu papel como rei.
         - Mas o que planejas, então?
         Arthur abre um pequeno armário de aparência antiga, cujos escritos em caracteres ancestrais apenas formavam uma palavra: “Arena”. Ao pôr o manto utilizado pelos gladiadores nos tempos de consolidação do Império, que, apesar de não possuir a mesma capacidade de proteger a integridade do guerreiro, representa as origens do espírito de batalha atlante, Arthur se vira para o conselheiro, que demonstra um misto de confusão com questionamento, e diz, em palavras firmes:
         - Eu vou à guerra.

***

         Os portões de transição entre a cúpula e o oceano continuam iguais às memórias de Arthur. Ele se prepara enquanto a substância feita por Poseidon abandona o ambiente e a água começa a cobrir seu corpo inteiro.
         A temperatura da água o surpreende um pouco, não esperava que ela estivesse tão quente, como se fosse um bafo da criatura à qual ele saia em percalço. O caminho até as ruínas é percorrido com tranquilidade, algo que Arthur não esperava, mas ele não dá atenção para isso. Ele se aproxima lentamente das pilastras iniciais das clássicas construções.
         “Aquaman”. Mais uma vez, aquela palavra o perseguia, lembrando-o de tudo aquilo que seu povo odiava nele. Arthur fica imobilizado por um momento, pensando se, apesar de todo esforço que ele pudesse fazer em nome da defesa de seu povo, se este um dia o aceitaria de fato, entretanto, um som curto, porém, pesado, vindo de dentro daquele labirinto de construções, o tirou desse transe.
         Seu punho direito forçou o cabo de sua espada, enquanto seu braço esquerdo estendeu o escudo que carregava. Arthur continuou em frente, desconsiderando os alertas que sempre ouvira toda a sua vida quanto às superstições do local. Pouco tempo depois, lembrou de uma lenda que fora-lhe contada por sua mãe, em que existia nos povos da superfície da Antiguidade, um labirinto que possuía um tesouro inestimável em seu interior, mas que era guardado por um feroz minotauro, que matava qualquer um que ousasse adentrar naqueles corredores. Todavia, Arthur não ligava para isso. Precisava provar que podia proteger seu povo.
         De repente, a água ficou estranhamente quente e o gosto de sangue preencheu o local. Novamente se repetiu o som que Arthur ouvira quando entrou nas ruínas, porém, mais alto. No instante que ele virou para verificar sua retaguarda, foi atacado. Irrompendo pela parede que estava atrás dele, a criatura o lançara contra uma pilastra.
-Pare! – gritou Arthur, como uma resposta espontânea ao súbito ataque que sofrera. Após um rápido momento atordoado pelo choque, Arthur ergueu sua cabeça e encarou a face verdadeira da lenda do guardião das ruínas.
         Com cerca de 2,20 metros e músculos rígidos e longos, Arthur viu um ser diferente de qualquer coisa que jamais imaginara. Se não fosse pela estrutura que se assemelhava à humana, poderia jurar que se tratava de um tubarão gigante. Sua face demonstrava um desejo puro por sangue, com olhos negros como a sombra das arraias mitológicas do folclore atlante, e uma imensa boca, que possuía tantos dentes que mal parecia ser capaz de se fechar. Porém, algo chamou a atenção de Arthur - a criatura não se movia. Ela parecia inspirar lentamente através de guelras localizadas em suas costas, mas nada além disso  nele se movia.
         - Quem és tu, criatura?
         Silêncio. A criatura sequer produziu uma bolha de ar a mais do que antes de Arthur lhe dirigir a palavra. O rei atlante se ergue lentamente, e novamente pergunta:
         - Tu és o guardião das ruínas? Sabes falar a língua de meu povo?
         Novamente, a criatura permaneceu em seu lugar. Parecia estudar a fisionomia de Arthur, sem, porém, tomar nenhuma ação.
         - Podes responder às minhas indagações?! Responda-me, ser das profundezas! Eu sou o rei do Império Atlante e demando... – no instante em que essas palavras saíram da boca de Arthur, a criatura novamente se lançou contra ele. As garras na ponta de seus dedos tentaram cortar o ombro direito do rei, porém, encontraram a rigidez do material sintético de que os escudos dos generais são feitos. Arthur sabia que mesmo querendo usar uma armadura produzida pela tradição atlante, precisava se proteger com as tecnologias mais recentes de defesa do Império. Em seguida, sem poder usar sua espada, que permanecia no chão, Arthur usou o escudo que carregava para nocautear o ser, e lançá-lo para longe dele, a fim de criar tempo para pegar sua arma caída.
         Após muita resistência da criatura, o plano de Arthur deu certo e ele conseguiu alcançar sua espada, partindo para ferir seu inimigo. O que ocorreu a seguir, o rei não poderia prever. Ao atingir a pele da criatura, a lâmina reforçada de sua arma rachou, quebrando em milhares de pequenos fragmentos. Aproveitando-se da surpresa de Arthur, novamente a criatura lhe lançou contra a pilastra, desta vez, de forma mais dolorosa. Duas vértebras foram quebradas, e Arthur não sabia mais o que fazer.
         Sabia que o próximo ataque seria o final. Se a criatura repetisse o movimento, ele seria partido ao meio. Foi, então, que Arthur construiu a estratégia que poderia lhe render mais tempo. Aguardou em frente ao ponto de colisão com a pilastra até que o ser se movesse contra ele. Ao perceber o deslocamento da criatura, Arthur rapidamente se jogou contra o chão, enquanto o ser atingiu a pilastra de forma direta. Sabendo da resistência da pele do ser, Arthur lançou o escudo contra a pilastra, fazendo com que ela tombasse sobre seu inimigo, que ficou soterrado.
         Arthur venceu. Enquanto observava os destroços da ruína caídos sobre o guardião delas, pensou que poderia assumir o posto de protetor do Império. Entretanto, precisava se certificar de que a criatura não mais atacaria. Como?
         Por cerca de dez minutos, Arthur pensou, mas não conseguiu encontrar uma conclusão para esse problema. A reflexão, todavia, não fora em vão, e fez com que ele lembrasse da promessa feita a Me’niz, de que salvaria seu amigo que havia sido atacado pelo guardião.
         Neste instante, Arthur vê um tênue brilho vindo de detrás de uma das paredes próximas ao local de sua batalha. Ele segue a luz, e percebe que se trata de uma água viva, ainda muito jovem para nadar em águas tão perigosas. Ciente disso ou não, o jovem animal se aproximou do atlante, como se esperasse algo.
         - Acaso sabes onde posso encontrar o prisioneiro daquela vil criatura, pequenino? – Arthur não demorou a se sentir estúpido, por acreditar que teria resposta de um ser tão frágil e inconsciente como uma água viva.
         Entretanto, o animal tornou a brilhar, seguindo em direção a uma bifurcação no labirinto. Arthur hesitou em deixar aquele ser-tubarão caído nos destroços das ruínas, porém, não encontrou um meio que lhe capacitasse procurar o jovem e manter imóvel aquela ameaça. Precisava cumprir com sua promessa.   
         A fina eletricidade da água-viva guiava Arthur, que novamente lembrou do conto do labirinto do Minotauro. Pensou se estaria seguindo em direção ao cerne de tudo aquilo, e que grande tesouro poderia haver lá.
         Subitamente, a eletricidade some, e Arthur ouve um deslocamento incomum de água na proximidade. Pensa se poderia ser o jovem, ou talvez um segundo guardião das ruínas. De qualquer maneira, precisava arriscar. Nadou em velocidade e atravessou a porta de gesso repleta de algas. Então, se deparou com uma figura de baixa estatura, que se voltou para ele, tão rapidamente quanto ele ao encará-la.
         - Quem és tu? – perguntou efusivamente Arthur.
A silhueta se aproximou dele, e ao ser atingida por um feixe de luz se revelou na figura de um ser idoso, de feições robustas, porém cansadas. Os cabelos, escassos e brancos, eram movidos pelo balançar das águas, e os seus olhos refletiam o azul do mar profundo. Suas vestes eram de um verde similar às algas que cobriam grande parte daquele lugar, e em suas mãos, haviam peças de valor, em forma de braceletes e anéis. Após um instante de observação, o homem ergueu as sobrancelhas de forma questionadora, e disse, encarando Arthur:
          - Meu nome é Vulko At’llan, conselheiro pessoal do rei Poseidon. No entanto, rapaz, a questão aqui é outra. A questão de fato é quem é você?

CONTINUA...

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